"Absinto" é uma bebida destilada feito da erva Artemisia absinthium. Anis, funcho e por vezes outras ervas compõem a bebida. Ela foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, médico francês que vivia em Couvet na Suíça por volta de 1792.É também conhecido popularmente de fada verde em virtude de um suposto efeito alucinógeno. Absinto, o blog, é um espaço para delírios pessoais e coletivos. Absinte-se e boa leitura.

domingo, 24 de junho de 2012

Poda de inverno


Beija-flor tesoura
Escrever é a arte de cortar palavras, alguém escreveu um dia.

E a primeira vez que li esta frase a sensação foi de estranhamento total. Depois de alguns dias refletindo, entendi. Ou pelo menos penso que sim.

Escrever é decodificar o pensamento e todo pensamento é refratário, é um fragmento de um todo. Quando seleciono meu pensamento em alguma coisa, outro lado meu, outras ideias, restarão adormecidas.  Logo, pensar é canalizar todo o sentimento em um só momento, um só aspecto da vida. Pensar é restringir. É escolha.

Escrever é a decodificação dessa escolha. Hoje resolvi pensar no ato de pensar, no mecanismo da escrita. A sedução é importante para uma boa leitura, mas o que realmente faz o que se escreve inesquecível, atemporal, é a veracidade de nossos sentimentos. Quanto mais verdadeiro for um texto, mais universal ele será. É preciso acreditar no que se escreve. É preciso ter vivenciado o que queremos que o outro compreenda.

Ser verdadeiro não significa ser superficial nem demasiadamente profundo. Isto não tem haver com exposição, tem haver com alma, com crenças.  Eu creio, eu decodifico, eu escrevo. E serei mais ou menos aceita pelos que se identificarem comigo.

Escolhi a escrita como maneira de expressão por absoluta incompatibilidade com as artes plásticas. Talvez um dia me aventure pelas palavras com os pincéis, ou quem sabe consiga realizar o sonho de modelar em argila. Por hora, fico com o desenho maus traçados da literatura. Sejam eles parcos, minguados, completamente esporádicos, é o melhor que consigo na arte de registrar minhas emoções.

Cortar palavras é a arte de registrar ideais, fazer escolhas e concretizar sonhos.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A Operadora de Telemarketing

Há uma crença popular que mulher quando é feia compensa pela inteligência. Gislene não era nem uma coisa, nem outra. A morena até tinha curvas interessantes, mas não sabia se valorizar. Não tinha a menor vaidade. Não sabia combinar roupa, não se preocupava com os cabelos nem com maquiagem. Na escola, as notas eram apenas medianas. Sempre quieta pelos cantos, tinha poucos amigos. Saia pouco, lia menos ainda.

A menina cresceu e não deu nem para intelectual, nem para modelo. Tentou ser manicure, mas não conseguia tirar uma cutícula sem machucar as clientes. Como atendente de padaria, não conseguia se recordar dos pedidos, como garçonete, a mesma coisa. Um dia preencheu formulário para Operadora de Telemarketing.

Depois de passar por todas as etapas de treinamento, ficou como última colocada em uma lista de 365 nomes. Acabou por ser chamada para assumir o cargo, por absoluta falta de opções.

O que Gislene tinha a seu favor é que não compreendia bem as broncas que levava, nem tão pouco as ironias dos clientes e dos colegas de trabalho.
Como não conseguia decorar, nem seguir os scripts de atendimento, resolveu improvisar. E foi assim que iniciou uma revolução no atendimento da empresa onde atuava:

- Bom dia senhor, percebo que está com a voz um pouco fanha. Está gripado?
- Estou sim, respondeu a voz do outro lado, estranhando a pergunta.
- Minha avó fazia um chá muito bom para isso.  Anote aí. Um limão cortado em cruz,  deixe ferver na água. Adoce com mel. Tenho um mel puro que vem da roça do meu primo, se o senhor quiser, posso te dar um pouco. O senhor pode pedir para alguém pegar aqui na portaria, deixo no seu nome.

- Bom dia senhora, tem um instante?   
- Não, minha filha, estou atrasada para buscar meus meninos na escola.
- Há então vá, senhora, porque criança não pode ficar esperando, dá trauma. Olha, cuidado com o trânsito, viu? Não corra muito. Seus filhos precisam de mãe! Mais tarde eu ligo.

Mais tarde...

- Boa tarde, senhora, correu tudo bem o seus meninos na escola hoje? Pode falar agora?
A mulher, em um misto de desconfiada e sem graça:
- Na verdade, vou começar o jantar...
- Hum, hoje está bom para uma sopinha de legumes.
- Sim, mas meus filhos não se convencem a tomar uma.
- Eu tenho uma receita que criança A-D-O-R-A.
E dá-lhe receita e do outro lado da linha a senhora anotando tudo.
- Posso ligar após às 21h? Presumo que a esta hora já tenha colocado os pequeno para dormir e possa falar um pouquinho.
- Liga sim, e te conto o resultado da sopa.

No primeiro mês Gislene bateu a meta. No segundo, começo a receber telefonemas:

- A Gislene está? Não, só serve ela.

E também começaram a chegar cartas, visitas. Gislene se tornou popular. Sempre tinha receitas e mandingas para febres, resfriados, espinhela caída. Em cinco meses era pauta da reunião de diretoria:

- Vão nos processar pelo exercício ilegal de curandeirismo! - alertou o advogado da empresa.
- Ela sozinha bateu a meta da minha seção – respondeu o supervisor de área.
- Os rendimentos aumentaram 45%– disse o diretor-financeiro
- A empresa agora é a primeira do Top of Mind – informou o diretor de marketing.

Gislene fica. Promoção? Ela poderia treinar os seus colegas e a empresa iria colocar seu modelo revolucionário no script.

É claro que não deu certo. Faltavam alguns itens fundamentais que não podiam ser transferidos: espontaneidade, criatividade, humildade e, principalmente, sinceridade.

Gislene perdeu o emprego por não dar conta de ser supervisora de área e implantar seu método revolucionário, que acabou sendo esquecido com o passar do tempo.

Mas ganhou amigos. Mudou-se para a fazenda do primo e hoje mantém um apiário em sociedade com aquele senhor que ajudou a curar da gripe.